Sumidago/Castelinho: um povoado fortificado verdadeiramente enigmático

Vista geral de Sumidago
Depois de observados centenas e centenas de sítios arqueológicos, existe sempre um ou outro local que nos marca um pouco mais pela forma como nos surpreende ou nos deixa a cogitar. O arqueólogo, qualquer arqueólogo sabe que no local menos esperado poderá surgir uma imensidão de surpresas, mas também sabe que estruturalmente há coisas que são de tal forma evidentes que não deixam quaisquer dúvidas quanto ao interesse apriorístico com que um arqueosítio se impõe numa primeira impressão.

Na pequena aldeia de Alfaião, concelho de Bragança, existe um povoado fortificado de aparente cronologia Proto-histórica que se revela como um verdadeiro enigma. São já muitas centenas de locais arqueológicos por mim visitados na região de Trás-os-Montes e Alto Douro,  num amplo espaço territorial que abrange os distritos de Vila Real e Bragança, mas nunca antes um local, e para mais um povoado fortificado conotado com a Idade do Ferro, me havia surpreendido tanto.

Na aldeia, os habitantes também denominam o pequenino esporão onde assenta a complexa estrutura defensiva por Castelinho, e na verdade não há nome mais apropriado para designar uma exígua área onde há mais de dois mil anos terá hipoteticamente vivido um pequeno grupo de pessoas.

Quando olhamos para um povoado fortificado como o Sumidago/Castelinho a primeira grande constatação é a complexidade da sua estruturação defensiva. Antes de mais, refira-se que estamos perante  um povoado fortificado de pequeníssimas dimensões, situado num relevo em esporão sobranceiro ao rio Fervença. O sítio desenvolve-se numa reduzida plataforma cujos limites a norte, nascente e poente se constituem por arribas de impossível transposição, gerando por esses lados óptimas condições de defesa natural.

Povoado Fortificado de Sumidago (Fotografia analógica scanerizada)

A entrada no recinto amuralhado apenas podia ser realizada  pelo  lado Sul, por um istmo que constitui o colo de acesso ao  esporão. É exatamente neste setor que se organizava um complexo sistema de defesa, composto por um grande torreão sub-circular, um fosso e, a anteceder todo o conjunto, um amplo campo de pedras fincadas ainda em bom estado de preservação.

Deste torreão, de tamanho claramente desproporcionado relativamente ao perímetro que pretende proteger, arranca uma linha de muralha que reforça as condições de defesa natural do sector Este, onde também corre uma linha de água.

A monumentalidade do complexo defensivo contrasta  com a pequena plataforma onde é possível o estabelecimento de estruturas habitacionais ou quaisquer outras, e é exatamente aqui que reside  o interesse, a  surpresa e o enigma do pequeno povoado de Sumidago/Castelinho.

Na verdade, a interrogação que de imediato se nos coloca é a seguinte:  o que poderá ter  levado à utilização de tamanha quantidade de mão de obra, de tamanha  força de trabalho,  necessária à construção de uma possante e complexa estrutura defensiva que apenas tem como função proteger um  tão exíguo espaço?

Estaremos perante o local onde habitou uma elite social, uma espécie último reduto defensivo da classe dirigente? Estaremos perante um local com funcionalidade ritual, simbólica ou de prestígio? Seria o Sumidago um espaço de armazenamento de um qualquer bem ou produto essencial e/ou crucial para  a economia da época? Seria apenas um ponto de controlo estratégico da região envolvente?


Ver Sumidago num mapa maior

Fosse qual fosse a função do povoado fortificado de Sumidago/Castelinho, uma dado importante que há a reter da sua observação é a sua importância patrimonial e científica. Na verdade, estamos perante um imóvel de grande interesse cultural e por isso torna-se premente, necessário e indispensável  quer o seu estudo, quer a sua divulgação, quer  o incremento de mecanismo que permitam a sua salvaguarda e proteção futura, porque, efetivamente, este é um arqueosítio bastante sui generis dentro do contexto relativo ao povoamento Proto-histórico da região de Bragança.

O sítio arqueológico já foi objeto de análise ou referência nas seguintes publicações:
LOPO, Albino dos Santos Pereira et al.(1987) - Apontamentos Arqueológicos. Lisboa: Instituto Português do Património Cultural, p. 179. 1987.
ALVES, Francisco Manuel  - Memórias arqueológico-históricas do distrito de Bragança: arqueologia, etnografia e arte. Porto: Emp. Guedes, Vol. 9, p. 718.
NETO, Joaquim Maria - O Leste do Território Bracarense. Torres Vedras: A União, p. 371.
REDENTOR, Armando (2003) - "Pedras fincadas em Trás-os-Montes (Portugal)", in Chevaux-de frise i fortificació en la primera edat del ferro europea. Lleida, 27-29 Março 2003, p. 135-154.
Sumidago/Castelinho: um povoado fortificado verdadeiramente enigmático Reviewed by António Luis Pereira on 7:31 da tarde Rating: 5

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