A "Pedra Formosa" de Ribalonga, Alijó

A minha anfitriã de 2000 em Ribalonga - Alijó
Já passou uma dúzia de anos. Corria o ano de 2000 quando eu o meu colega de então, Mário Reis, entrámos na aldeia dev Ribalonga, concelho de Alijó, para organizarmos a informação sobre os sítios arqueológicos daquela freguesia transmontana.
Nada previa a felicidade desse dia. Como habitualmente contactámos o presidente da junta de freguesia e com ele e com a ajuda das pessoas da aldeia tentávamos perceber onde se situavam
exatamente os sítios arqueológicos cuja informação havíamos recolhido a partir da bibliografia previamente investigada e seleccionada, alguma dela dos finais do século XIX.

O que pretendíamos era relocalizar o local exacto onde esses sítios se implantavam, saber se ainda existiam e em que condições se encontravam. O objetivo era organizar o território transmontano num sistema de informação geográfica que permitisse uma fácil gestão e monitorização no futuro. Afinal, pensávamos nós, vivíamos num país civilizado e com direito a um Instituto de Arqueologia que tinha como principal incumbência gerir em exclusivo esta tão importante vertente do património material português, como é o caso do património arqueológico.

Ao longo desse trabalho, que nunca chegou a ser concluído, percorremos centenas de aldeias, relocalizamos milhares de sítios arqueológicos, recolhemos milhares de coordenadas geográficas, escrevemos milhares de textos. Sim, tudo aos milhares, e se julgam que estou a exagerar consultem a informação que o Endovélico (Base de Dados do Património Arqueológico Português disponível no Portal do Arqueólogo) possui sobre Trás-os-Montes e confiram a veracidade do que estou a afirmar.

Pedra Formosa de Ribalonga
Na altura, e se calhar ainda mais nos dias de hoje, eramos assim uma espécie de aves raras que entravam pelas aldeias adentro a perguntar aos autóctones por lugares onde tinham vivido os mouros. As pessoas olhavam para nós com uma certa displicência ao início, mas depois a conversa aproximava-nos e trazia à tona, não raras vezes, uma sincera e mútua simpatia.

Depois de explicado, o nosso trabalho até era visto e entendido como de “crucial importância para o engrandecimento e afirmação da aldeia no contexto da história nacional”, como uma vez foi sintetizado o nosso desempenho por um habitante de uma localidade do concelho de Vinhais, depois de ter estado algum tempo à conversa com ele e de lhe ter explicado a nossa missão.

E se havia algumas pessoas que pouca importância davam à nossa demanda, outras havia que logo entendiam a nossa utilidade e eram capazes de largar de imediato o que estavam a fazer para nos acompanharem num cibinho de tempo e aí deixarem fluir todo o seu fervor intelectual, ao tentarem dar respostas à questão crucial "de onde viemos”, questão essa que geralmente era apresentada de forma empenhada, mas muito especulativa, num saber oral transmitido de geração em geração e que fixava as origens da sua aldeia no tempo dos Mouros, ali para os lados do Castelar, “num lugar que foi abandonado por causa de uma praga de formigas que comeram todas as crianças. Isto era o que dizia o meu avô… “, concluíam constantemente desta forma os meus parceiros de uma, muitas, manhãs de são e cultural convívio .

E assim, dentro deste contexto mesclado de realidade e fantasia, começava sempre uma interessante conversa entre mim e esses interlocutores, que geralmente também funcionavam como operacionais guias na condução a recônditos lugares da habitação dos ditos mouros, lugares esses que muitas vezes só podiam ser atingidos por atalhos e difíceis veredas.

- Donde são!? -, perguntou naquele dia com admirada interrogação a senhora que tinha para nos ofertar uma fantástica surpresa na aldeia de Ribalonga.
- Somos do Instituto Português de Arqueologia.
-ah... -, respondeu a senhora idosa, e sem mais delongas, porque percebeu de imediato que estava perante as pessoas certas, logo se prestou a mostrar-nos uma “pedra desenhada” que tinham encontrado numa leira do lugar de Meirinhos, “ali abaixo, ao pé daquela árvore grande”, e apontou um centenário castanheiro que se erguia majestosamente no sopé da aldeia. E logo de seguida apontou-nos também o portão do terreiro e convidou-nos a entrar para ver a dita “pedra desenhada”.

E ali, perante aquele semicírculo de granito profusamente decorado, não tivemos restrições na expressão da nossa alegria. Afinal tínhamos encontrado a primeira “Pedra Formosa” de Trás-os-Montes e o exemplar situado mais a oriente do território norte de Portugal.

Algum tempo mais tarde, e depois de algumas peripécias, tornamos a descoberta pública com o seguinte texto publicado no Endovélico:

No quintal de uma casa em Ribalonga encontrava-se uma pedra, trabalhada e decorada, cuja tipologia e decoração a colocam no tipo das Pedras Formosas que se encontram em balneários castrejos no noroeste peninsular, sendo a primeira encontrada em Trás-os-Montes. Tem grandes dimensões, e é trabalhada de maneira a formar um arco de pequena abertura na parte inferior. Uma das superfícies é extensamente decorada, com motivos bem conhecidos da arte da Idade do Ferro do noroeste peninsular, nomeadamente uma grande roseta estilizada, e motivos em entrelaçado. Encontra-se fragmentada do lado esquerdo, para onde tudo indica que as decorações se prolongariam. Este foi um achado muito recente, e foi possível determinar com exactidão o seu local de origem, no topónimo "Os Meirinhos", um lameiro agrícola num sítio com grande abundância de água, onde existe um poço e as nascentes de duas pequenas linhas de água. O outro fragmento da pedra encontrava-se ainda no sítio. Pelas características do local, e pela sua implantação no sopé do castro de Ribalonga, é provável que a estrutura do balneário seja aqui, ou muito próximo. Ambos os fragmentos da pedra foram posteriormente transportados para o Museu de Vila Real”.

Esta ida para o Museu de Vila Real esteve envolta numa certa polémica, uma vez que a pedra foi “obtida à socapa” por um sacerdote com pretensões de arqueólogo e formas discutíveis de consecução de achados arqueológicos entre a comunidade de camponeses.

Na altura empenhei-me em provar a esse tal senhor que há regras muito concretas na aquisição e gestão do património móvel português (tanto mais que estava em curso entre a tutela e o dono do achado uma negociação para o transferir), mas uma vez que o bem patrimonial deu entrada de imediato num museu regional e não teve qualquer outro fim, acabei por me conformar, ficando apenas pela participação na abertura e constituição de um processo de classificação da "Pedra Formosa" de Ribalonga que a elevou à categoria de Bem Móvel de Interesse Público. Essa Classificação foi publicada no Diário da República, II Série, nº 119, 23 de Maio 2002 ( Portaria nº 796/2002 - 2ª série).

A pedra está actualmente bem guardada, disso não tenho qualquer dúvida. Mas o que não está é suficientemente difundida e estudada. Falta sobretudo um estudo específico, um estudo contextual e fundamentado que seja feito por um especialista daquele período cronológico, de forma a atribuir a este achado a importância que ele realmente merece.
Fica pois aqui o repto, para quem o quiser escutar.
A "Pedra Formosa" de Ribalonga, Alijó Reviewed by António Luis Pereira on 8:04 da tarde Rating: 5

1 comentário:

  1. muito interessante....gostei e relembrei lugares calcorreados por mim e pelos meus. Carrazeda de Ansiães terra natal da minha sogra...o Castelo de Ansiães -espaço partilhado e "saboreado"...tanats vezes.Do alto do magnifico espaço secular ouvimos uma "musica" que nos embala,enternece e nos faz sentir tão pequenos.
    Um abraço

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